sábado, dezembro 19, 2009

Pela primeira vez se tem notícia, nesse país, de que um prêmio literário importante é dado e retirado, as razões podem ser entendidas pelas notícias abaixo e o histórico do fato.

Notícias e histórico

Link para a matéria da Tv Bandeirantes

http://www.bandrs.com.br/bandtv/index.php?n=11349&p=0

Link para a matéria do jornal Correio do Povo

http://www.correiodopovo.com.br/ArteAgenda/


Correio do PovoArte & Agenda > Variedades17/12/2009 20:54 - Atualizado em 17/12/2009 20:58

Destaque em prêmio Açorianos é revogado

Quatro dos jornalistas jurados eram da mesma empresa de comunicação
Depois de um início de polêmica, o prêmio Açorianos de Destaque em Projeto de Incentivo, Promoção e Divulgação da Literatura, concedido ao projeto Maratona Literária, da Coordenação do Livro e Literatura da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre foi revogado na tarde de hoje pelo secretário municipal de Cultura, Sergius Gonzaga.
“Decidimos tirar dos registros dos vencedores este projeto porque achamos que não ficaria bem para a transparência do evento”, revela Gonzaga.
O secretário esclarece que a escolha foi espontânea do corpo de 27 jurados e que irá enviar uma carta a eles, explicando os motivos do declínio.
“Não havia impedimento no regulamento, mas decidimos não aceitá-lo”, ressalta. Em 1995, a revista Porto & Vírgula havia ganho o prêmio Destaque em Mídia Impressa.
Sergius Gonzaga disse que por falta de cuidado na escolha dos jurados, quatro dos jornalistas convidados eram da mesma empresa de comunicação, mas que isso não refletiu diretamente em nenhuma das escolhas.
“A escolha dos jurados é por notório saber, não pela empresa que representam”, explicou.
Ele anunciou, ainda, que o prêmio Açorianos de Literatura terá prêmio em dinheiro nas próximas edições. A categoria Conto receberá um valor a ser confirmado em na edição de 2010, a Narrativa Longa, em 2011 e a Poesia, em 2012.

Amigos

O Secretário Sergius Gonzaga informou na tarde de hoje (17 dez) a Band News e a jornalista Lucia Mattos que iria cancelar a premiação doAçorianos 2009 a Maratona Literária, em função desta ser uma atividade realizada pela própria secretaria e portanto não poderia ser premiada.Com essa atitude o secretário demonstra que está atento as ponderações que fizemos no texto sobre essa premiação e contou com apoio de vários intelectuais.Textos abaixo, na ordem de seu envio:
----- Original Message -----From: Marco Celso H.ViolaSent: Wednesday, December 16, 2009 3:22 PMSubject:

Maratona Literária-quando o Estado premia a si mesmo

Prêmio Açorianos- de 2009

Percebe-se que não existe nenhuma iniciativa importante na área do livro por parte do Estado, nesse caso o muncípio, quando ele premia a si mesmo por ter feito ou fazer aquilo que é sua obrigação. O PrêmioAçorianos desse ano revela isso, a premiação da Maratona Literáriacomo "Promoção e Divulgação da Literatura em Porto Alegre"-, a partir de indicação espontânea. Segundo consta existe um corpo de jurados para julgar as diversas categorias do Prêmio Açorianos e a essa, esse ano, soma-se uma curiosa"indicação espontânea".
Depois de não ter recebido o Fato Literário de 2009, apesar do esforço
realizado junto as urnas colocadas na Feira do Livro e fora dela -com funcionárias da Divisão do Livro destacadas para buscar votos junto aos frequentadores da Feira (se não me engano o dinheiro que paga esse pessoal é dinheiro de impostos) - percebe-se que existe por parte da direção da atual Divisão do Livro bem como adminstração cultural do muncípio a busca de promoção pessoal e de suas atividades e a inexistência total de um plano para a cultura de Porto Alegre onde repetem-se iniciatavas antigas como o Baile da Cidade- cujos custos de um único dia ultrapassam o valor do orçamento anual do Atelier Livre da Prefeitura.
Até quando os intelectuais desta cidade vão permanecer integrando-se em atividades como essas sancionando-as sem nenhuma discussão?
Está na hora de começar a dizer basta para o cumpadrio, para aquelesque fazem do dinheiro público escada para carreiras nem sempre bem explicadas ou com currículo para exercê-las.
Marco Celso Huffell Viola*Fonte a notícia do site da SMC-Porto Alegre

Em 16/12/09, Celso Sant Anna<celsoluizsantana@hotmail.com> escreveu:

Prezado Marco e demais As políticas em âmbito da capital e do governo do Estado na área da Cultura não respiram o que é feito no teatro, música, poesia e por aí vai. Sabe, índio véio, é de desanimar. Nós que transitamos pela construção diária e de formiguinha no mundo das artes, não estamos em consonância com os "grandes projetos" reforçados por setores da mídia que associam o fazer cultural com sucesso. Sucesso esse, que está a serviço de reforçar um status quo, sem um mínimo de questionamento. Há, praticamente, uma censura velada ao diferente.O que vale é o grande, com ampla repercussão, e o tradicional, ambos com a função de reforçar valores cristalizados. Existe espaço para todos, mas quando Cultura é um valor tratado pelo enfoque da diversão apenas, aí épreciso refletir. Buenas, acho que peguei leve. Abraços Celso Lembre-se: O meu pensamento vivo você encontra em: http://twitter.com/CelsoSantAnna-----

Original Message -----From: "Renato Motta" <mailto:renato.mattos.motta@gmail.com%3ESubject:
Re: Maratona Literária-quando o Estado premia a si mesmo

Amigos,Faço minhas as palavras do Celso! Não apenas é vergonhosa e imoral a busca de autopromoção através do aparato público. Acho importante ressaltar que "aquilo que é obrigação" de uma secretaria de Cultura ouuma Divisão desta secretaria fazer não pode ser passível de premiaçãopor esse próprio órgão, ainda mais quando quando a obrigação não écumprida e o serviço resulta mal feito.Do que falo?Falo de um evento que conheci, tendo participado das primeiras 2 ou 3edições, que supostamente deveria "promover e divulgar a literatura emPorto Alegre", que aconteceu no Centro Municipal de Cultura, local debaixa circulação de populares, reunindo um grupo seleto de literatos,artistas plásticos, músicos e membros da "inteligentzia"portoalegrense para lerem "Cem Anos de Solidão", "A Metamorfose", "OsRatos" ou "On the Road", livros que - assim como eu - a maioriadaquelas pessoas já leu há mais de 30 anos... quando percebi que oreferido evento não passava de um convescote de notáveis para ver eser visto, que não produzia efetivamente qualquer contribuiçãocultural, deixei de frequentar. Ainda mais quando tive o desprazer dever as funcionárias da Divisão do livro em plena tarde de um dia desemana empenhadas em arregimentar votos populares para fazer daMaratona o "Fato Literário" em detrimento de outros projetos que mepareceram muito mais meritórios e conseqüentes...Não conseguiram o Prêmio Fato Literário. Fazer o que? Usar o PrêmioAçorianos? Este não há como perder, é só mexer pauzinhos, criar uma"indicação espontânea". Não interessa se isto pode denegrir a imagemde um prêmio que até hoje era tido como digno de respeito. Nãointeressa se a ética mandaria recusar mesmo se o júri tivesse sidorealmente espontâneo ao dar esse prêmio. Interessa a satisfação dasvaidades. Interessa a autopromoção. O odor do incenso aceso em causaprópria, o gozo de ganhar um prêmio pela própria mão.E a Cultura, a verdadeira cultura de Porto Alegre?Esta precisa mendigar verbas, esmolar uma centena de cartazes daqui,um xerox dali, ao custo de colocar medalhas de apoio em eventos sériosque o poder público apenas finge apoiar--Renato de Mattos Mottapoeta, artista plástico, publicitário(51) 3024-6221(51) 9237-5646
De: mar.rio <mailto:mar.rio@terra.com.br%3EAssunto:

Re: Re:Maratona Literária-quando o Estado premia a si mesmoData:

Quinta-feira, 17 de Dezembro de 2009, 15:53Olhem, amigos,nosso querido bardo Quintana já dizia que o problema da literaturagaúcha era a "semostrância". Agora, mais esta atitude coronelista da administração de Porto Alegre,uma cidade abandonada aos buracos e descuidados.Como escritor, infelizmente, não posso me valer de entidade algumapara discutir sobre isso.
Posso falar por mim, e devo pedir esclarecimentos aos envolvidos, como cidadão, mas na possibilidade de uma resposta não acredito. Acredito nas pessoas, não dou crédito aos trocados negociados por algumas.
Não poderia esperar nada menos insólito da secretaria de cultura dePorto Alegre, uma cidade atirada aos descalabros.Sem que estejam lançados os dados do imaginário,todo e qualquersistema político é ineficiente e precário.Ainda, e além, há quem queira que esse estado de coisas tome assentosno palácio do Governo Estadual.
O senhor do tempo nos livre disso, a nós, poetas, atores, dançarinos,artistas visuais, músicos e habitantes desta cidade cercada por muros.
Resta rogar ao Papai Noel que devolva o bom senso ao momento e ao movimento criativo da província. Papai do Céu não irá tratar dessas egolatrias.
Corpo Santo e Sepé Tiaraju, estavam certos: esta loucura tem dono!Mario Piratapoeta & brincadeiroEstrada Luiz Bettio, 70(Chapéu do Sol, Belém Velho)Poa, RS, CEP 91787-110(51) – 98144841http://mariopirata.blogspot.com/

sexta-feira, junho 12, 2009

A diferença entre produtor cultural e despachante cultural

Onde são aplicados os milhões que a Cultura e o Esporte recebem das loterias?

As leis de incentivo a cultura, tanto nacionais como regionais (Lei Rouanet e leis de incentivo a cultura) terminaram por criar uma nova profissão que por falta de uma melhor designação passou a ser chamado de “produtor cultural”. Mas, na verdade, esses “produtores culturais” nada mais faziam/fazem do que preencher corretamente a papelada que visa encontrar a liberação legal para que o verdadeiro produtor cultural possa arrecadar recursos ou das empresas ou do sistema de financiamento estatal, sem nenhuma garantia de efetividade. A correção dos dados exigidos pela lei não significa o acesso à verba.A atividade, na maioria das cidades brasileiras onde a cultura não possui recursos e necessita de financiamento, para fazer livros, jornais, revistas, cinema, teatro,etc, virou um negócio mantido por especialistas capazes de enfrentar a papelada com as absurdas exigências legais (que não eliminam o suborno, o lobby, a transferência de recursos para as mesmas empresas que dizem financiar os projetos culturais) e pago com percentual dos recursos arrecadados, quando não antecipadamente.Com relação aos milhões que a Cultura e o Esporte recebem das loterias, por exemplo, não se tem uma prestação de contas efetiva para a sociedade da aplicação desses recursos, enquanto isso os verdadeiros produtores culturais, aqueles que produzem cultura, tem que ficar na mão desses “especialistas nos meandros burocráticos” para depois mendigar junto a empresas e instituições e assim conseguir realizar o seu trabalho de produzir cultura, quando conseguem vencer a barreiras de gerentes e marketeiros de plantão que manipulam o chamado dinheiro público.Convém começarmos a estabelecer a diferença entre produtor cultural e o mero despachante cultural, (é preciso enfatizar várias vezes isso), o produtor cultural é o que produz cultura, o outro, o despachante cultural é o indivíduo especialista que sabe como preencher a papelada para conseguir ter acesso a liberação das verbas públicas ou leis de incentivo.
O despachante é uma profissão digna e que existe em vários áreas sociais, em Estados excessivamente burocratizados e que sobrevivem como despachantes aduaneiros, de papéis para trânsito, contadores -que preenchem o imposto de renda-, etc ou seja é aquele sujeito que conhece os meandros burocráticos e preenche a papelada necessária para que essa ou aquela atividade possa ser realizada dentro da lei.O despachante cultural definitivamente não produz cultura, quem produz cultura é quem faz cultura.

sábado, junho 28, 2008

Exumando pó ou o filho do barbeiro de Fernando Pessoa

Marco Celso Huffell Viola


A mídia e um círculo de parasitas que navega entre as academias adora comemorar, festejar a obra de autores, sejam quais forem, e os centenários,então, são o motivo ideal, cem anos disso ou daquilo.No ano seguinte a obra é esquecida e, na mesma velocidade, um novo autor “centenário” é rememorado. E, todos esses comemoradores, mordem e ganham alguma coisa com isso, ou seus quinze minutos de fama ou dinheiro mesmo.
Agora chegou a vez dos 120 anos de nascimento de Fernando Pessoa. Por que 120 anos?Não entendo a razão de não comemoraram os 119 anos de nascimento ou 121, ou 119 e um quarto... Um recente documentário da Globonews sobre os 120 anos de nascimento de Fernando Pessoa só mostrou o quão foi pequena ou miúda (como dizem os portugueses) a vida de um dos maiores poetas da língua portuguesa e menor ainda a imaginação do repórter, que a determinado momento chega aproximar o poeta português a Leonardo da Vinci em função de duas invenções dele, a carta-envelope e a máquina de escrever com tipos móveis,invenções essas das quais não existe o menor registro.
Por mais que o jornalista buscasse alguma coisa, revirando velhas anotações, fotos, parentes, mais distante ficava da obra do poeta. E, surge a clássica entrevista com um “estudioso,especialista” junto à estátua de bronze que paralisa em metal uma também fase miúda e magra da vida do poeta como se aquela fosse a verdadeira imagem dele.Uma caricatura em metal como tantas outras que povoam as praças do mundo de fantasmas inúteis que só servem para abrigo das pombas ou para os ladrões de bronze.
Dos especialistas,parentes, sobre a vida de Fernando Pessoa, não havia nada mais a declarar sobre ele que já não se soubesse.Em determinado ponto do documentário o jornalista resolveu entrevistar o filho do barbeiro do Fernando Pessoa...Incrível.Há no documentário, também um filme da ex-namorada, do poeta. Pra quê?Vê-se a distância uma senhora com rosto comum, pateticamente, já morta, abanando de uma janela.Nonsense puro.
O poeta não deixou a guarda de sua alma em fotos, parentes desimportantes ou mesmo no esquema de elétricos feito por ele para encontrar com a namorada.Aquilo tudo está velho desfocado,amarelo. O que ele deixou de importante foi a sua obra, não sua vida.”Viver não é preciso.”E ele viveu pouco, quase nada, o suficiente apenas para escrever.Homenagens nunca as teve,apenas um livro publicado durante sua existência física.Mas isso não interessa esses exumadores de pó como se apenas a realidade vivida pelo poeta possa revelar ou dizer sobre sua identidade,impossível para alguém que em toda a sua obra negou a sua.A vida prática do poeta português, a não ser seu encontro com Alesiter Crowlewy e a correção de seu horóscopo, nada teve mais rumoroso,importante, nada absolutamente nada estranho ou digno de nota, ao contrário da obra. A sua vida pode ser comparada aos brasileiros Drumond e Manoel Bandeira,uma vida comum, banal,cuja vida interior é muitas e várias vezes mais rica e habitada que a vida exterior.
A obra do poeta é sua vida interior,o exterior é apenas um rasgo, uma fresta aonde o verdadeiro poeta espia.Há, as exceções, quando a vida do poeta mistura com sua arte,então, existe algum significado associá-los,mesmo assim não completamente, poesia não é arte da realidade. Recentemente ouvi, também, um desses analistas da obra alheia, ansioso por declarar algo importante,sobre Mario Quintana.Contemporâneo de Mário (eram colegas de redação) ele fala sobre o poeta:“aprendi mais com o silêncio de Mário do com que com suas palavras.” Traduzindo: o poeta não falava com ele. Não dava a mínima importância a esse analista futuro de sua obra.
Não é ótimo?
A necessidade de aduzir, enxertar-se na pessoa da poeta é tanta que vale tudo, mesmo que isso seja completamente insignificante e desnecessário.Mas o que afirmo aqui pode ser associado a outros gêneros de arte, todos têm os seus “especialistas, não criativos” sem luz própria que precisam para sobreviver, se aquecer como mariposas na luz alheia.
Aliás, o filho do barbeiro de Fernando Pessoa perdeu a oportunidade de recolher algumas fiapos do cabelo do poeta ou de sua barba e guardar para posteridade se soubesse, na ocasião, de quem se tratava.E se fosse um filho de barbeiro com imaginação poderia dizer até que Fernando Pessoa pagava com versos ao corte de cabelo do fígaro seu pai.Mas não, tanto ele como o repórter eram, um pouco sem imaginação, e ficamos nós todos pensando o que poderia fazer um poeta dentro de uma barbearia, imagino que ele também poderia ter escrito o poema A Barbearia, auxiliando, e muito, as entrevistas futuras do filho do barbeiro...Ficou-me a impressão (ou me ficou a impressão?) que o poeta não gostava desse barbeiro e preferia o dono da tabacaria, resta saber se existe algum sobrevivente dessa loja onde ele comprava seus fumos, e se ele aparecer, certamente, vai colaborar apenas com a nossa compreensão da capacidade pulmonar do poeta ou vai esclarecer e espalhar mais fumaça sobre a obra de Alberto Caieiro ou Ricardo Reis?

sexta-feira, abril 11, 2008

Na soleira da porta

Manoel Hygino dos Santos *


Emanuel Medeiros Vieira acaba de lançar, pela Thesaurus, “Cerrado Desterro”, primeiro volume de suas memórias, com orelhas de Victor Alegria. A primeira consideração é de que me parece muito cedo para ingressar nesse gênero.Emanuel nasceu em Florianópolis no ano em que Vargas desceu as escadas do Catete, em 1945, sem descer à sepultura, como na segunda vez, em 1954. O período de vida do autor é relativamente curto para cogitar de reunir lembranças.Mas o escritor de Santa Catarina achou que a hora era chegada, e ele mais do que ninguém sabe de si e de seu cronograma e perspectivas. O primeiro volume soma quase quatrocentas páginas, e há mais três temas nos trilhos.A primeira idéia é de memórias serem elaboradas ou organizadas quando a marcha etária ultrapassa a casa dos 70 anos. Assim fez Pedro Nava, e acertou plenamente. O seu legado para as letras e a história brasileira é fantástico.Mas Emanuel Medeiros Vieira encontrou motivos para deslanchar antes o projeto. Com o primeiro volume se constata que ele tem razão. Viveu momentos difíceis, duros, até horripilantes da crônica brasileira no século passado.Esteve junto aos acontecimentos, sofreu-os, teria o que revelar.Andou por estes Brasis que não são tanto mais de meu Deus, para passar aos numerosos demônios que o habitam. Mudou de acampamento com diploma da Faculdade de Direito da Universidade do Rio Grande do Sul e sentou praça em Brasília, o centro do poder.Escreveu muito, vários livros, alguns com títulos cinematográficos. Escreve bem, conhece-se e reconhe-se. O primeiro volume de suas memórias traz uma amostra do que será a obra, como um todo. Reúne lembranças, depoimentos em jornais, pensamentos alheios que o impressionaram, fragmentos, que dão testemunho de uma época.A “revolução” de 1964, com tantos erros cometidos, com crimes e torturas, o pegou em suas malhas. Esteve preso, por motivos em que incorreriam e incorreram homens de bem, jornalistas, escritores, artistas, intelectuais.De uma hora para outra, descobriu que álcool não faz bem. Todo mundo sabe que assim é, mas somente a experiência pessoal, traumática às vezes, convence. Parou de vez. Nem por isso deixou de ter padecimentos. No início de seu livro, afirma:“E a Morte, encostada na soleira da porta, quis dançar comigo um tango argentino. Fingi, disfarcei. Cínica, ela abanou. Fechei os olhos, cama de hospital, botei o cobertor na cabeça. Fui baixando, olhei, ela ainda me contemplava, o sorriso desaparecera, olhar mais grave - alguma compaixão?”À indesejada proposta do tango, disse: “Sou muito desajeitado, não sei dançar, esbarro em todo mundo. Há parceiros melhores”. Mas ela não abria mão de sua preferência. Uma grave enfermidade cardiológica quase o tirou do meio do salão da vida.Encontrou médicos excelentes, enfermagem de alto nível, carinho e apoio da família. A cirurgia foi plena de êxito, recuperou-se. Agora, verifico que as memórias de Emanuel Medeiros Vieira eram inadiáveis, devem e precisam ser lidas.

*Manoel Hygino dos Santos é escritor e crítico literário mineiro. Escreve no jornal "Hoje em Dia", de Belo Horizonte.

segunda-feira, março 17, 2008

Lendo Emily Dickinson

Poema de Emanuel Medeiros Vieira
Para Célia de Sousa

Poderia ser 1830,
quando nasceste,
mas é 2008,
chuvoso domingo de março,
não publicaste livro em vida (o que menos importa).
“Ela chegou afinal, mais ágil porém a Morte
Havia ocupado a casa:
A pálida mobília já disposta,
Junto com sua palidez metálica” (...).
Só poeira e esquecimento,
nada dura,
Felicidade efêmera – ler teus poemas, Emily.

O domingo fluindo,
tempo: linha reta de eterna agonia.
Não existe presente, só passado.
Nem futuro.
A namorada de 1968 jaz num cemitério de aldeia.
“Empoeirado se mostra o mundo
Ao nos deitarmos para morrer”.
Sim: “Tão longe da compaixão quanto a queixa
Tão frio às palavras quanto a pedra.
Tão insensível à Revelação
Como se meu ofício fosse nada.”
O empenho diário é inútil?
(Para os outros.)
Ah, cidade que me atirou seu presságio
adverso.
Terá termo a espera?
Deve-se matar a morte que sobre nós se abate.
(Peço desculpas aos poetas que pilhei:
confluências.)
Aqui jaz a inocência:
a morte não existe, nós é que morremos.
]
(Brasília, março de 2008)

segunda-feira, setembro 17, 2007

SOBRE CONTOS DE EMANUEL MEDEIROS VIEIRA:

Hamilton Alves*


Emanuel Medeiros Vieira com o conto “Nunca Mais Voltaremos para Casa” (publicado no Jornal da ANE, edição de agosto de 2007) revela-se como um dos grandes nomes da literatura catarinense da atualidade.
Aliás, temos um punhado de bons escritores pululando por aí. Quando não em jornais, aparecem em revistas ou folhetins que circulam gratuitamente, como é o caso do “Livro na Rua”, editado em Brasília pela Thesaurus Editora, que vem a publicar um dos melhores contos produzidos por Emanuel Medeiros Vieira, que já merecera publicação nas antologias “Esse Amor Catarina”, organizada por Salim Miguel, Silveira de Souza e Flávio José Cardozo (reunindo uma plêiade de bons escritores do Estado de Santa Catarina), e na “Antologia do Conto Brasiliense”, organizada por Ronaldo Cagiano.
O problema é que tais escritores atuam fora do eixo Rio-São Paulo, que constitui (e sempre constituiu) uma “panela” na qual poucos conseguem entrar.
Até hoje, desconhece-se o processo pelo qual se obtém acesso a ela.
Paulo Coelho e escritores do padrão dele o conseguiram (até entrar na Academia Brasileira de Letras foi possível, sabe-se lá como). A política das editoras (a maioria delas) é puramente de caráter comercial.
Dane-se o valor do livro – isso fica em segundo plano.
É sabido que Paulo é um escritor de fancaria. Uma editora, não faz muito, comprou por quinhentos mil reais o seu passe. Ou seja: ter exclusividade na edição de seus livros. Qual a resposta para esse enigma (não há, na verdade, bem vistas as coisas). O cara vende. Fatura alto. E seu nome, como se sabe, extrapolou nossas fronteiras. Faz sucesso a nível mundial.
Um escritor (só para citar um de real valor) como Emanuel Medeiros Vieira, que é superior ao Coelho mil vezes, não tem chance de aparecer ou ser editado por uma dessas casas editoriais de alta circulação ou aceitação na praça.. Por que? O editor não tem segredo. Já ouvi a mesma cantilena.
– O seu livro não vende.
Lembro-me que isso me ocorreu quando mandei uma novela para consideração de uma editora de projeção nacional. Disse ao editor: “Se vocês publicaram o livro de François Truffaut (tratava-se de “O Homem que Amava as Mulheres”, uma história marota de um sujeito obcecado por mulheres, que rendeu um bom filme, faça-se justiça a Truffaut), por que não editam minha novela que tem, modéstia à parte, mais peso literário?”
A resposta foi lacônica (igual à precedente):
– Truffaut vende.
Emanuel tem um conto recentemente publicado pelo Jornal da ANE.
O conto tem o título de “Nunca Mais Voltaremos para Casa.”
É um conto muito bem estruturado, bem escrito, bem bolado, que nos pega desde a primeira frase pelo rabo da curiosidade. Já em “Este Amor Catarina”, Emanuel publicou um conto igualmente magistral, “Amor aos Vinte Anos”, sobre o qual já escrevi uma resenha, publicada no jornal “A Notícia”, de Santa Catarina, em junho de 1996.
Nesses dois trabalhos excelentes, Emanuel revela-se um escritor detentor de um estilo, de uma maneira própria de expressão, o que não é fácil nem muito comum encontrar-se.
No conto divulgado no Jornal da ANE, trata-se de um de uma história de dois amantes em conflito. Ela cobra dele o tipo de escritura que vem produzindo. A primeira frase o desencadeia:
– És um escritor do passado, diz a ex-namorada.
O diálogo cresce a cada lance até o desenlace, quando ela o deixa sozinho e ele paga a despesa de ambos num bar, em que “o frango está frito e cru. Ela reclama que a coca-cola está quente.”
“Ela foi embora, sem despedida, sem outras palavras duras. Enquanto se afastava, eu lembrei que já havíamos rido, brincado, feito acampamentos, viagens, planos. Amor.”
Caindo em si mesmo, o personagem reage a tais lembranças:
“Pára com a autopiedade”, pede uma irritada voz interior.
O desfecho do conto segue esse mesmo clima.
Nos dois contos (“Amor aos Vinte Anos” e “Nunca Mais Voltaremos para Casa”) nota-se que a linha de ação se assemelha muito. Emanuel se utiliza da linguagem comum, dos lugares-comuns (no sentido de que se vale do que normalmente acontece no dia a dia das pessoas comuns ou dos dramas cotidianos).
É o puro retrato da vida, muito prezado por escritores como Nelson Rodrigues. Só que Emanuel o utiliza com mais riqueza de detalhes ou com mais senso psicológico.
“Fui para casa, fiquei olhando pela janela, não chovia, ouvindo no mais alto volume, se isso fosse possível em se tratando de Wagner, ‘Tannhãuser’ (e um vizinho berrou: ‘baixa essa merda, baixa essa merda’). Baixei para não ter incômodos com o zelador, com o síndico.”
Qual o escritor que desceria a tais detalhes triviais?
Já em “Amor aos Vinte Anos” é o mesmo interesse pelas coisas banais que lhe fazem a fortuna literária. Dir-se-á que Emanuel os preza e os prefere à sofisticação ou a ficar lustrando em demasia. Hemingway (diz-se) não gostava de filosofices. Ia direto ao assunto. Emanuel vai ao rebotalho: que se dane a preciosidade. Ou que é tido como tal.
Como tantos outros de nossos escritores (acho que ele não está nem aí), se tentar uma dessas grandes editoras, que publicam Paulo Coelho ou Sarney e outros que tais, lhe baterão com a porta no nariz.
– Você não vende – é o mínimo que ouvirá.
Em grandes jornais (na grande imprensa ou revistas de grande circulação), o fenômeno é idêntico: portas fechadas.
Mas enquanto essa discriminação, para não lhe da outro nome, acontece, nossos escritores vão sendo lidos aqui e ali, gerando a pergunta inescapável: por que o Paulo Coelho, por que o Sarney? Que preferência imbecil é essa?
“Nunca Mais Voltaremos para Casa” é desses contos que se voltam sempre a ler porque nele o que aflora destacadamente é a vida tal qual é. Sem nenhuma frescura.

*Hamilton Alves é jornalista e escritor

quinta-feira, agosto 30, 2007

VIETNAM (Sempre)

Emanuel Medeiros Veira- de Brasília


Trinta e dois anos depois do final da guerra e da maior derrota militar dos EUA, os efeitos da dioxina usada no desfolhante agente laranja continuam a afetar regiões que compreendem áreas do Vietnam, do Laos e do Camboja. Os resíduos se entranharam na terra e nas sementes das plantas, e pessoas que as consumiram e consomem, transmitiram e transmitem seus efeitos aos descendentes. Em matéria publicada no Jornal do Brasil , Mauro Santayana escreve: "Com imagens de crianças sem olhos, sem braços, sem ouvidos, com a espinha dorsal dividida em duas, os membros atrofiados, o crânio piramidal, e relatos sobre recém-nascidos com os órgãos genitais na face, volta aos jornais europeus a denúncia conta o mais nefando dos terrorismos. São milhares de seres humanos e, enquanto viverem e continuarem a nascer, representam o libelo mais ácido contra os piores terroristas do século 20: os senhores estadunidenses da guerra." Trinta e dois anos depois da derrota dos invasores na batalha final de Saigon, continuam os tenebrosos efeitos do agente laranja usados pelos EUA. Uma matéria de José Reinoso, enviado do prestigiado jornal El Pais, de Madrid, traz o depoimento "seco e contundente", de médicos do país e de algumas dessas crianças. A história do desfolhante laranja começou na Segunda Guerra Mundial, quando os encarregados das armas químicas sugeriram seu emprego maciço sobre os arrozais japoneses "Ao saber do projeto que mataria os inimigos de fome, Roosevelt - vítima de paralisia infantil - vetou-o, mas Truman, aos substitui-lo, mandou jogar a bomba atômica sobre Hiroshima. Estimulados pelo Pentágono, as maiores empresas químicas do país - tendo à frente a Monsanto e a Dow Chemical - passaram a pesquisar s efeitos do agente laranja contra os seres vivos, não só os da deformação genética, como também os da indução ao câncer. Em 1960 passaram a produzir para a guerra. Em novembro de 1961, o glorificado presidente Kennedy autorizou o uso do produto no Vietnã", relata Santayana. Naquele país, hoje, além das crianças deformadas, a incidência de câncer no útero é 30 vezes maior do que no resto da Ásia. O Protocolo de 1925 que integra os seculares acordos de Genebra sobre a conduta na guerra, proíbe rigorosamente o uso de armas químicas nas batalhas. A decisão foi tomada depois do emprego de gases mortais na Primeira Guerra mundial. "Mas 29 anos depois, os nazistas, para o extermínio 'limpo' do judeus e outras etnias (incluída a 'raça' dos comunistas) encomendaram à IG-Barben a produção do gás Zyklon B, usado em Auschwtiz e em outros campos." Mauro Santayana conclui (depois de acusar os EUA de serem os herdeiros da arrogância nazista): "A IG-Farben - que naceu para produzir anilinas - tem suas sucessoras na Monsanto e na Dow Chemical, orientadas pela mentalidade de que a morte pode ser o resultado de um processo técnico lucrativo, seja na produção da dioxina, ou transgênicos, obtidos mediante essa necrotecnologia que condena as sementes à morte, depois de duas ou três colheitas, a fim de que mantenham o monopólio de sua produção. Não lhes importa a possibilidade de que os transgênicos venham a matar os consumidores ou a condenar as almas das crianças a habitar corpos deformados nas próximas gerações. O que importa é o preço de suas ações, os dividendos aos acionistas e elevada remuneração de seus quadros executivos."